Artigo-Alerta à população, aos pescadores, ao IBAMA e à SEAP.

Pesca de tubarões

Quem são os verdadeiros assassinos dos mares?

 

Por Marcelo Szpilman*

 

As cenas mostradas nos noticiários da televisão e nas fotos dos jornais nesse fim-de-semana me fizeram lembrar dos tempos da "escuridão", na Idade Média e na Inquisição, onde os corpos dos grandes vilões e pecadores eram expostos em praça pública para "deleite" da platéia. Que razões levam hoje pescadores a desembarcar nas praias de Búzios e de Arraial do Cabo dezenas de carcaças de tubarões mortos?

 

 

Muito se discutiu se seriam tubarões da espécie cabeça-chata ou da espécie galha-preta. No entanto, o mais importante não é definir a espécie e seu potencial de ameaça aos seres humanos. Até porque o Rio de Janeiro está praticamente livre de ameaças de ataque de tubarão (nos últimos 84 anos somente 09 ataques foram registrados no Estado do Rio de Janeiro). O mais importante é conseguir perceber o que estamos fazendo com os tubarões em nossa costa e identificar o grau de ameaça a que eles estão expostos.

 

Exibir ao público e à imprensa os corpos do tubarões mortos como sendo os "temidos" cabeças-chatas (espécie responsável pelos poucos ataques que eventualmente ocorrem em Recife) parece uma tentativa de obter o aval da população local para a matança dos "comedores de homens", e disfarça um lado ganancioso. Como foi mostrado na televisão em entrevista com os pescadores locais, a venda da carne e, principalmente, das barbatanas desses tubarões proporcionou uma boa renda extra. E quem não gosta de uma verba adicional no final do mês?

 

Poderíamos pensar: são humildes pescadores ganhando o pão-nosso-de-cada-dia. Porém, infelizmente, esses pescadores têm plena consciência de que estão dando "um tiro no pé". É interessante antecipar duas fortes indicações dos resultados do Projeto Piloto sobre a pesca de tubarões, abrangendo os mais representativos pontos de desembarque do Estado do Rio de Janeiro, que ainda serão publicados na próxima edição da revista do Projeto Tubarões no Brasil (PROTUBA), do Instituto Ecológico Aqualung: 90% dos pescadores relataram queda no rendimento de suas pescarias e 65% relataram diminuição no tamanho médio do pescado capturado. Ou seja, eles sabem perfeitamente que a quantidade e o tamanho dos tubarões estão diminuindo a olhos vistos. Se sabemos que o tamanho das populações de tubarões não sofrem grande impacto com a poluição ambiental, devemos nos atentar para o problema da baixa reprodutividade que os torna muito vulneráveis à sobrepesca (pesca exagerada) e à pesca predatória.

 

De acordo com o Dr. Eduardo Pimenta, que há mais de uma década estuda os grandes peixes oceânicos da região de Cabo Frio, todo ano no período de abril a junho a Região dos Lagos recebe a visita de diversos grupos de tubarões, que ali se juntam atraídos pelos cardumes de xereletes e tainhas. Na perseguição, os tubarões obrigam os xereletes e tainhas a se aproximarem da costa e vêm juntos, tornando-se presas fáceis para as redes dos pescadores. Nos dois últimos anos cerca de 100 animais foram capturados em cada evento.

 

Agora, nesse episódio, os pescadores extrapolaram os limites do bom-senso. Capturar uma quantidade muito grande de tubarões em um curto intervalo de tempo e em uma mesma área, torna a pesca insustentável e pode criar a curtíssimo prazo um forte desequilíbrio na teia alimentar da região. Não se retira do ambiente marinho 350 animais em poucas horas sem que a Natureza reclame. Ainda mais quando se tem o agravante da maioria ser composta por fêmeas, muitas delas grávidas (algumas abortaram seus filhotes na praia, conforme foi presenciado por nossa equipe na região). Acrescente-se a isso o fato de que essas fêmeas levaram de 10 a 15 anos para atingir sua maturidade sexual.

 

Já está na hora de abordarmos um ponto controverso, mas muito importante: a questão da proteção e conservação das populações de tubarões que vivem em nosso litoral. Não vou aqui defender uma ampla campanha para simplesmente proibir a pesca de todos os tubarões, até porque a linha de atuação do Instituto Ecológico Aqualung nunca foi radical. Ainda acredito que se possa ter uma pesca sustentável. No entanto, não podemos mais deixar nas mãos dos pescadores a responsabilidade pelo gerenciamento dos estoques pesqueiros.

 

Como se fez em 2002 pela primeira vez no Brasil com o mero (peixe da família do famoso badejo), proibindo sua pesca, e esse ano está-se fazendo com os marlins, proibindo sua comercialização, precisamos de uma trégua na pesca dos tubarões para dar-nos tempo de conseguir levantar dados científicos mais apurados sobre algumas espécies com maior índice de ameaça em nossa costa e assim poder avaliar seus estoques. Se conseguimos proibir, acertadamente, a pesca de tartarugas, baleias e golfinhos, por que não podemos proibir a pesca de algumas espécies de tubarões? Qual a diferença? 

 

Por que estamos sempre remediando os problemas ambientais. Por que sempre lançamos planos de despoluição quando tudo já está extremamente poluído? Por que somente proibimos a caça ou a pesca de uma espécie quando ela já está bastante ameaçada? Voltando a questão inicial, sobre qual foi a espécie capturada, é interessante citar que as duas espécies, galha-preta (Carcharhinus brevipinna) e cabeça-chata (Carcharhinus leucas), estão relacionadas na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas de Extinção da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza) na categoria Baixo Risco. Será preciso que essas espécies declinem acentuadamente para só então serem colocadas nas listas do IBAMA como espécies sobreexplotadas ou ameaçadas? Não seria mais razoável termos meios de monitorar e evitar que essa situação ocorra?

 

Uma das justificativas do governo para a não colocação de diversas espécies de peixes nas listas do Ibama é evitar um problema social, já que milhares de famílias vivem da pesca. Mais uma vez, estamos empurrando o problema com a barriga. Se proibimos hoje a pesca de algumas espécies de peixes criamos um problema social. Se deixamos a questão por conta dessas famílias, em pouco tempo os estoques se esgotarão e teremos não um, mas dois problemas: o mesmo problema social e o problema ambiental da extinção e da perda de biodiversidade. Qual vai ser?

 

Precisamos nos juntar aos esforços internacionais de conservação por planos que assegurem a sustentabilidade da pesca dos tubarões. Necessitamos de uma verdadeira legislação de proteção que efetivamente venha a cercear a pesca predatória e a sobrepesca das espécies de tubarões, de modo a reprimir os atos conseqüentes e inconseqüentes dos pescadores comerciais, artesanais ou industriais.

 

O Ibama já tem uma portaria que coibe a prática do finning no desembarque (o peso total das barbatanas não pode exceder a 5% do peso das carcaças), mas precisamos de uma nova legislação, mais específica e mais dura, determinando que todo tubarão desembarcado, transportado ou vendido deve estar inteiro, de modo a previnir a prática da pesca para obtenção exclusiva da barbatana (finning) e o descarte da carcaça no mar. A questão da sobrepesca também necessita de uma legislação pertinente criando limites ou cotas para a quantidade de tubarões pescados, não só para os tamanhos mínimos como já existe para umas poucas espécies. Proteção de áreas de berçario e épocas de defeso também precisam ser criadas com urgência.

 

Como diretor do Instituto Ecológico Aqualung e do Projeto Tubarões no Brasil (PROTUBA) tenho que me posicionar a favor da vida, de todos. Espero, com esse alerta, forçar um reposicionamento dessa questão por parte dos órgãos competentes, o IBAMA ( (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e a SEAP (Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca).

 

Atualmente, temos cerca de 70 a 90 ataques de tubarão por ano no mundo todo. Estatísticas da FAO (órgão das Nações Unidas) estimam que 100 a 150 milhões de tubarões são mortos anualmente em todos os oceanos. Uma única fábrica na Costa Rica mata 235 mil tubarões por mês para transformá-los em cápsula de cartilagem. Quem são os verdadeiros assassinos dos mares?


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*Marcelo Szpilman, Biólogo Marinho formado pela UFRJ, com Pós-Graduação Executiva em Meio Ambiente (MBE) pela COPPE/UFRJ, é autor do livro GUIA AQUALUNG DE PEIXES, editado em 1991, de sua versão ampliada em inglês AQUALUNG GUIDE TO FISHES, editado em 1992, do livro SERES MARINHOS, editado em 1998/99, do livro PEIXES MARINHOS DO BRASIL, editado em 2000/01, do livro TUBARÕES NO BRASIL, editado em 2004, e de várias matérias e artigos sobre a natureza, ecologia, evolução e fauna marinha publicados nos últimos anos em diversas revistas e jornais e no Informativo do Instituto. Atualmente, Marcelo Szpilman é diretor do Instituto Ecológico Aqualung, Editor e Redator do Informativo do citado Instituto, diretor do Projeto Tubarões no Brasil (PROTUBA) e membro da Comissão Científica Nacional (COCIEN) da Confederação Brasileira de Pesca e Desportos Subaquáticos (CBPDS).


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