Nota de Esclarecimento
Raias não atacam ninguém
 
Por Marcelo Szpilman*
 
"Caçador de crocodilos morre ao ser atacado por raia"
 
A notícia acima, veiculada hoje nos principais portais de internet, pode promover junto ao público leigo uma noção absolutamente errada a respeito do comportamento das raias e seus possíveis acidentes. Como biológo marinho e diretor do Instituto Ecológico Aqualung, acredito ser importante fornecer informações pertinentes sobre o assunto de modo a esclarecer os fatos.
 
Conhecido como o "Caçador de Crocodilos", o apresentador de TV australiano Steve Irwin era famoso por se aproximar demais dos animais selvagens quando captava imagens para seus documentários. Um de seus muitos "espetáculos", que sempre geravam polêmica mundo afora, foi dar de comer a um gigantesco crocodilo enquanto segurava seu filho recém-nascido nos braços. Nessa segunda-feira, quando filmava cenas submarinas para um novo documentário, na praia de Port Douglas, na Austrália, Irwin foi morto por uma raia. Ferido no peito pelo animal, chegou a ser socorrido por paramédicos, mas foi considerado morto no local do acidente. De acordo com o produtor de seus programas, "Steve segurou uma raia e o barbilhão entrou no peito dele, abrindo um buraco no coração". Provavelmente, foi uma raia-prego (do gênero Dasyatis) que ao ser manipulada de forma irresponsável penetrou seu aguilhão no tórax e inoculou peçonha no coração do apresentador.

Grande parte das raias costuma passar quase todo o dia em repouso na areia, onde algumas se enterram. As espécies potencialmente perigosas possuem em sua cauda um aguilhão (às vezes mais de um ao mesmo tempo) que pode inocular uma potente peçonha. O aguilhão é um grande espinho retroserrilhado e pontudo composto de um duro material semelhante ao osso coberto por uma fina camada de tecido, onde estão inseridas algumas glândulas produtoras de peçonha.

Quando o animal está tranqüilo e em repouso, o aguilhão fica encostado paralelo à cauda, acondicionado em uma dobra membranosa e imerso em muco e peçonha produzidos pelas glândulas da epiderme. Ao ser perturbada ou estressada, a raia costuma dar violentas "chicotadas" com sua cauda. Nesse momento, seu aguilhão adquire uma posição perpendicular à cauda e, ao atingir sua vítima, provoca ferimentos profundos e graves com inoculação de peçonha.

No entanto, quando não molestadas, as raias são totalmente inofensivas e incapazes de atacar ativamente quem quer que seja. Para que ocorra um acidente, é necessário que a raia sinta-se muito ameaçada ou acuada, pois ao menor sinal de perigo ela costuma afastar-se do local com extrema rapidez. Cerca de 99% dos acidentes com raia são provocados por pescadores que insistem em capturá-las, e no ato de dominá-las ou retirá-las da rede ou anzol são atingidos pelo aguilhão, ou mergulhadores inconseqüentes que acham que podem acariciá-las ou molestá-las até o limite do insuportável, como se elas fossem um animal doméstico e bobo. Apenas 1% ocorre por acidente, quando alguém inadvertidamente, ao desembarcar de suas lancha na praia por exemplo, dá uma
"pisada" em uma raia que esteja repousando na água rasa.
 
Os acidentes com as raias têm dois aspectos médicos importantes cujos efeitos costumam atuar em conjunto: o trauma provocado pela penetração do aguilhão retroserrilhado e a inoculação da peçonha, facilitada pela lesão. O trauma provocado pelo aguilhão é puntiforme ou lacerante, muitas vezes profundo, e pode ocasionar graves conseqüências, muitas vezes com abundante sangramento. Além dos danos extensos e dolorosos, o aguilhão ou pedaços dele podem destacar-se da cauda da raia no momento da penetração e permanecer na lesão, ocasionando complicações futuras. As peçonhas de todas as raias são similares e contêm várias substâncias tóxicas cujos efeitos sistêmicos costumam afetar os sistemas cardiovascular e respiratório. Além disso, a peçonha possui uma poderosa ação local de necrose tecidual. A dor, imediata, intensa e persistente, com características cortante, pulsátil, espasmódica ou latejante é o sintoma inicial predominante. É seguida, usualmente, por alguns dos sintomas gerais, como hipotensão ou hipertensão arterial, arritmias, dor de cabeça, dores abdominais, náuseas, vômitos, febre, sudorese, tremores, fraqueza, vertigem, convulsão, linfangite, parestesia, paralisia muscular e choque, podendo até ocorrer o óbito. Embora as lesões ocorram com maior freqüência nos membros, há casos registrados de lesão no tórax com fatalidade. A penetração do aguilhão em qualquer parte do tronco ou cabeça é considerada uma grave emergência médica devido às hemorragias internas não controladas, à inexorável necrose tecidual das vísceras ou órgãos vitais atingidos e inoculados com peçonha e à infecção secundária.
 
Fatalidades como essa que ocorreu com o apresentador de TV australiano Steve Irwin são raras, mas mostram o quanto devemos ter respeito e cuidado ao interagir com esses e outros animais selvagens. O tipo de programa de televisão que o apresentador fazia, que tem sido copiado inclusive no Brasil, utiliza-se do domínio, manipulação e abuso de animais com o objetivo de mostrar o quanto corajosos são seus protagonistas. Ao contrário do que supostamente pretendem, além de se colocarem em perigo real, deseducam os telespectadores e mostram um grande desrespeito pela natureza.
 
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*Marcelo Szpilman, Biólogo Marinho formado pela UFRJ, com Pós-Graduação Executiva em Meio Ambiente (MBE) pela COPPE/UFRJ, é autor do livro GUIA AQUALUNG DE PEIXES, editado em 1991, de sua versão ampliada em inglês AQUALUNG GUIDE TO FISHES, editado em 1992, do livro SERES MARINHOS, editado em 1998/99, do livro PEIXES MARINHOS DO BRASIL, editado em 2000/01, do livro TUBARÕES NO BRASIL, editado em 2004, e de várias matérias e artigos sobre a natureza, ecologia, evolução e fauna marinha publicados nos últimos anos em diversas revistas e jornais e no Informativo do Instituto. Atualmente, Marcelo Szpilman é diretor do Instituto Ecológico Aqualung, Editor e Redator do Informativo do citado Instituto, diretor do Projeto Tubarões no Brasil (PROTUBA) e membro da Comissão Científica Nacional (COCIEN) da Confederação Brasileira de Pesca e Desportos Subaquáticos (CBPDS).

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