Em função das recentes
notícias de que Disneylândia de Hong Kong servirá Sopa de Barbatana de Tubarão
em seu parque temático, precisamos, todos nós, repudiar mais esse absurdo
contra a Natureza.
O parque temático, que começará a
funcionar no dia 12 de setembro desse ano, oferecerá o prato Sopa de
Barbatana de Tubarões em datas especiais. A Disney alega que a sopa de
barbatana de tubarão é parte da alta gastronomia e da tradição dos chineses e se
defende dizendo que os melhores restaurantes de Hong Kong oferecem o prato em
seu menu a preços exorbitantes, como uma comida sofisticada. “A Disneylândia de
Hong Kong leva muito a sério seu papel de promotor do meio ambiente, mas somos
igualmente sensíveis à cultura local”, disse à imprensa a porta-voz do parque,
Esther Wong.
Atualmente, os tubarões são mortos
exclusivamente para obtenção de suas nadadeiras ou barbatanas. Navios de
pesca japoneses e chineses costumam ser flagrados praticando uma das mais
absurdas, cruéis e perturbadoras perseguições realizadas pelo ser humano: a
pesca para a retirada de barbatanas, finning em inglês. Eles capturam o
tubarão, cortam fora suas nadadeiras e atiram a carcaça de volta ao mar. Muitas
vezes vivo e mortalmente aleijado, o tubarão afunda para morrer sangrando,
comido por outros peixes ou para apodrecer no leito do mar.
Mesmo que essas nadadeiras fossem
diretamente para o prato de crianças famintas, seria um total despropósito. Mas
não é exatamente para isso que são ceifadas. As nadadeiras, que passaram a ser o
objetivo principal e único desse tipo de pesca, atendem a um ávido e lucrativo
mercado. A indústria pesqueira obtém em torno de US$ 50.00 por quilo de
nadadeira seca, contra US$ 1.00 por quilo da carne de tubarão. Nos mercados
asiáticos, onde o quilo pode atingir US$ 120.00, a nadadeira é usada no preparo
da “sopa de barbatana de tubarão”, uma iguaria gelatinosa que é vendida nos
restaurantes finos de Hong Kong por até US$ 150.00 o prato, tido como
afrodisíaco.
Ao longo de sua história, que remonta a
150 milhões de anos e inclui a sobrevivência às causas que provocaram o fim da
era dos dinossauros, os tubarões nunca enfrentaram tamanha ameaça à sua
existência como a que vem ocorrendo nos últimos 15 anos.
A prática do “finning” é proibida em
muitos países, incluíndo o Brasil, mas mesmo assim 120 países participam
ilegalmente desse lucrativo mercado (incluíndo o Brasil). Cerca de 100 a 150
milhões de tubarões são mortos anualmente em todos os oceanos, sendo boa parte
para obtenção das nadadeiras.
Infelizmente, o esgotamento dos estoques
naturais de muitos tubarões já é uma realidade bem perceptível. Nas duas
últimas décadas, as populações de algumas espécies pescadas em todos os oceanos
já foram reduzidas em até 89%, beirando o colapso.
A ameaça à sobrevivência dos tubarões,
representada pela pesca comercial predatória, é progressiva, constante e
silenciosa. Se nada for feito, algumas espécies poderão ser consideradas
extintas antes de terminarmos a primeira década do novo milênio. No Brasil já
temos 40% das espécies nas listas de espécies ameaçadas de extinção.
Deixar de ver os tubarões como feras assassinas e ter
a consciência de que eles exercem um papel crucial na manutenção da saúde do
ecossistema marinho e do equilíbrio da vida nos oceanos é o primeiro passo para
a mudança de atitude.
Pensando assim, nos surpreende como uma
empresa internacional com enorme visibilidade como a Disney, que
se diz preocupada com o meio ambiente, prefere incentivar o consumo de uma
iguaria cuja captura é absolutamente insustentável a ter que contrariar a
cultura local.
*Marcelo
Szpilman, Biólogo Marinho formado pela UFRJ, com Pós-Graduação
Executiva em Meio Ambiente (MBE) pela COPPE/UFRJ, é autor do livro GUIA AQUALUNG
DE PEIXES, editado em 1991, de sua versão ampliada em inglês AQUALUNG GUIDE TO
FISHES, editado em 1992, do livro SERES MARINHOS, editado em 1998/99, do livro
PEIXES MARINHOS DO BRASIL, editado em 2000/01, do livro TUBARÕES NO BRASIL,
editado em 2004, e de várias matérias e artigos sobre a natureza, ecologia,
evolução e fauna marinha publicados nos últimos anos em diversas revistas e
jornais e no Informativo do Instituto. Atualmente, Marcelo Szpilman é diretor do
Instituto Ecológico Aqualung, Editor e Redator do Informativo do citado
Instituto, diretor do Projeto Tubarões no Brasil (PROTUBA) e membro da Comissão
Científica Nacional (COCIEN) da Confederação Brasileira de Pesca e Desportos
Subaquáticos (CBPDS).