HOMENS SÃO MAMÍFEROS AQUÁTICOS?

David Szpilman

Sempre gostei do mundo aquático, e quando criança me imaginava como um mamífero aquático, que habitava o mar pelo menos 4 h por dia (após as aulas é claro) e que só saía das águas do Arpoador após escurecer. Surfista desde garoto gostava de pensar que em uma próxima geração talvez meus filhos nascessem com guelras e membranas entre os dedos. Viagem ou não, existe uma teoria da evolução do homem, que é defendida por cientistas de renome, que atestam ter sido a passagem pela água o diferencial entre os primeiros primatas e o que teria nos feito andar sob dois pés. Verdade ou não, gosto de pensar que temos uma origem aquática forte como esta. 

Até 1934, a habilidade dos mamíferos aquáticos como as focas de ficar períodos superiores a 30 min sem respirar, era um enigma, quando o cientista Laurence Irwing formulou a seguinte hipótese "Durante a imersão, um mecanismo reflexo (parece ser uma descarga simpática) produziria uma profunda redistribuição do fluxo sanguíneo, com redução para os órgãos de maior resistência à baixa de oxigênio (pele, músculos, intestino, etc), mantendo-se normal ou aumentado para os órgãos nobres (cérebro e coração), permitindo desta forma um aumento do tempo de submersão". A este fenômeno chamou-se de reflexo de mergulho ou "diving reflex". Este reflexo foi confirmado em 1966 em outros animais aquáticos como mamíferos, pássaros, répteis e anfíbios. Em 1968, cientistas realizaram um estudo de três anos em seres humanos, em piscina-tanque, com controle simultâneo da freqüência cardíaca, pressão arterial e fluxo sanguíneo periférico durante a imersão total e parcial. Os resultados encontrados foram a maior presença do reflexo naqueles com imersão total, menor naqueles que só imergiam a face e menor ainda naqueles que entravam com o corpo todo menos a face. Concluindo que as alterações observadas em seres humanos são qualitativamente semelhantes aos animais marinhos, porém quantitativamente menores. Corroborando com isto, cientistas relataram uma alta taxa de oxigênio em mergulhadores profissionais após longos períodos de mergulho, sugerindo um menor consumo de oxigênio pelos tecidos. Parece que dois estímulos são essenciais: a água tocando a face, e a inibição reflexa ou voluntária dos centros respiratórios (prender a respiração). A temperatura da água parece ter influência somente quando inferior a 200C, sendo progressivamente maior quanto menor a temperatura. Exercícios, agitação dentro da água, medo ou calafrios (em águas frias) podem reduzir o reflexo. Este reflexo necessita de aproximadamente 25 segundos de apnéia para atingir seu ápice e é mais freqüente no recém-nato, reduzindo ao longo da vida. 

A presença deste reflexo com sua proteção ao ser humano têm finalidade prática no salvamento de afogados, já que possibilita ressuscitar pessoas com até 1 hora de submersão. Existem relatos de afogados que sobreviveram sem seqüelas a submersões prolongadas, sendo o registro de 66 minutos em água gelada o de maior tempo. Milagre ou mamíferos aquáticos? 

Agora nos resta realizar um trabalho com o nosso grupo de surfistas. Será que viraremos completos animais marinhos em algumas décadas?